28 abril, 2017

Gênio Indomável: Uma autoanálise

Fonte de imagem: Google
“Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando."Clarice Lispector
Quem nunca descobriu o reflexo de si mesmo em um filme verídico/fictício, me entregue seu controle remoto que provarei que isso é possível. Em determinado momento de minha vida, alguém fez suposições e me “descobriu” no cerne de um personagem. Por isso pude concluir que em parte a tal pessoa estava certa, pois também me encontrei dentro de algumas cenas da vida daquele personagem. Certamente o mesmo acontece com tantas outras pessoas que sem nenhuma intenção ou motivo se encontraram também dentro de uma imensa tela, no escuro de um cinema, sentindo-se sozinhas, vagando dentro de si mesmas a observar determinados acontecimentos da vida que se passou ou que é vivo e recente no dia-a-dia dentro de tantas personalidades e escolhas. Afirmo então o quanto isso não é incomum acontecer, principalmente na vida de um cinéfilo.

A visão que tenho sobre mim não é como uma imagem sem foco, tampouco me escondo atrás de máscaras, principalmente quando me vejo envolvida em guerras travadas no meu interior, a partir de cada descoberta que faço no decorrer de minhas experiências de convívio pessoal ou quando acontecimentos na vida chegam causando sustos diante de um despreparo emocional. Essas mesmas reações aconteceram também em um fato que vivi em 1998, foi quando tive a oportunidade de ouvir pela primeira vez alguém citar o filme Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997), fazendo referência a minha pessoa, tocando em um ponto negativo de minha personalidade. Naquela situação, a julgar pelo título e pelo momento tenso de uma discussão, ouvir tais palavras não foram nada agradáveis a mim e uma raiva que poderia ser apenas momentânea se instalou por um longo tempo e deixou uma semente de curiosidade e incômodo ruim, como se fosse um ferimento dentro de minha pele, causando dor, febre, inflamação e dificuldade em cicatrizar por faltar um tratamento a olho nu. Como já sabemos, quando algo assim acontece é preciso rasgar a pele para a secreção sair, porque se infelizmente não vazar, a cura não acontecerá… Podemos dizer que assim também é o processo de mágoas ou ressentimentos quando encontram um livre acesso em nosso coração.

Um dia inesperadamente surgiu a oportunidade de assistir àquele filme que estava em meu passado, porém nunca esquecido nem apagado da memória. Passei algumas horas diante da história fictícia, analisando e mergulhando naquele filme, que conta sobre o personagem chamado Will Hunting, um jovem, que mesmo com pouca experiência e idade, já carrega em sua personalidade várias cicatrizes mal curadas em sua história. Trabalhando como faxineiro em uma conceituada Universidade, um dia anonimamente, sem nenhuma ajuda ou dificuldade de raciocínio, resolveu uma questão matemática de um nível tão alto que chamou atenção do professor, da direção administrativa e estudantes. Assim que é descoberto o autor daquela façanha, começam vários trabalhos intensos, insensíveis e egoístas tentando libertá-lo de seu baú de agressividade e genialidade admirável. Procuraram esclarecer e orientar o gênio, provando mais para eles do que para Will a necessidade de ser “domado” para vir a se tornar um grande “homem” para a sociedade. As reações daquele jovem diante do espanto e admiração de grandes matemáticos me fez comparar sua existência interior a um lugar quase inexistente e indiferente pela dificuldade que houve em encontrá-lo, conhecê-lo e simplesmente manter um diálogo por algum tempo sem se sentir desconfortável diante de sua arrogância. Enfim, ele é apresentado ao terapeuta Sean Maguire, o único que consegue permanecer ao lado dele sem medo das reações tensas que a convivência traria. Sean e o professor Gerald Lambeau descobrem que naquele solo regado por uma abundante inteligência, conhecimento adquirido sem nenhum estudo, há um rapaz frágil, carente, usando de métodos agressivos, sistemáticos, arrogantes e antissociais para se proteger do mundo. Toda essa carga dentro de um mundo obscuro e solitário, onde só existia um imenso universo fechado por muralhas de sentimentos de rejeição, abandono, ressentimentos, autopunições e iras. A partir do drama vivido em família, ele permitiu que uma autodefesa o impedissem de ter laços de amizade e amor, por isso ele não conseguia traçar vínculos em suas relações e se afastava antes que a convivência se fortalecesse. Sendo assim, abandonava antes que o mesmo o acontecesse a ele.

Dentro de seu próprio furacão, Will fez uma ótima escolha, permitindo que suas muralhas construídas por si mesmo caíssem por terra, escolhendo conhecer e receber os cuidados humanizados de seu terapeuta, um cuidador de vidas que não se importou em entrar naquela casa de difícil acesso, com escuridões e vazios… assim era o seu cliente. Mesmo com as dificuldades de aproximação lhe ofereceu companhia, sinceridade, afeto, amizade e palavras curadoras com grandes significados para a sua vida. O efeito causado na última sessão de terapia foi bem recebido ao ouvir de seu amigo Sean as seguintes palavras: a culpa não é sua… filho, a culpa não é sua… não, você não entendeu: a culpa não é sua… Sua reação libertadora através de lágrimas me fez entender que havia se iniciado um processo de autocompreensão sobre todo o emaranhado de experiências ruins que existia escondido dentro daquele mundo de dores.

Voltando a reflexão sobre mim… Nunca fiz terapia ou participei de grupos de apoio psicológico, não que eu não precise, acredito que todos nós precisamos de algum tipo de envolvimento nessa área para nos aprofundarmos nesse mundo particular que todos nós temos e somos. Mas, mesmo sem ter esse acesso, sempre tive interesse em estudar ensinamentos básicos da psicologia através de leituras de textos isolados, livros, filmes e principalmente a observação por todos os ângulos da vida, por isso tenho uma paixão muito grande em conhecer as pessoas de dentro para fora e de manter contatos diários quando percebo que estou diante de alguém que pode ser um laboratório com diversas experiências interiores interessantes de conhecer, conviver… Aprender pelos ensinamentos adquiridos naquela convivência.

Essa característica é forte e faz parte de mim desde bem cedo. Não me lembro quando começou, mas foi quando comecei a vivenciar alguns momentos conflitantes que passei a procurar conhecer melhor a mim mesma, sem cessar, usando mapas, lupas, telescópio e bússola… meios poéticos que uso nesse momento para explicar como me estudo e aprendo com pequenas gotículas terapêuticas e básicas adquiridas de diversos meios de contato, mesmo sendo uma pessoa bastante caseira, não me permito perder essas oportunidades.

Por diversas vezes me vejo desenrolando meus fios internos, reconhecendo obviamente que alguns comportamentos de minha forte personalidade foram adquiridos por uma fonte inesgotável vinda de meus pais, pois eles deram vida a esse pequeno riacho, me dando o presente de existir. Essas águas muitas vezes transbordam e me paralisam por conta de problemas pessoais que inevitavelmente acontecem com todos nós, daí surgem as incessantes análises… Fico em transe, em divagações mexendo sem parar em meus silêncios até que o alívio aconteça, esses efeitos podem durar dias ou horas somente. Tenho essa facilidade de me observar por isso não foi difícil identificar as características em comum com Will, mas também não foi fácil sentir os abalos em meu interior, sendo visitada por um passado repleto de confusões em minhas memórias, que tem a liberdade de voltar e entrar em minha casa-mente-coração sem pedir licença, sem data marcada, roubando meus descansos, trocando móveis de lugar e sem meu consentimento, tentando repousar novamente em minhas reflexões pelas vias naturais dos sentidos. Mas, hoje sei que não há mais razões para prosseguir nessas dores, porque tenho uma certeza, e não a uso como uma desculpa para não chorar ou não me sentir vítima do destino, essa certeza tenho gravada em uma pedra de testemunho que não se desgastará pelo tempo, porque a cada ciclo vivido, mais a certeza toma vida e me mostra que minha convicção não nasceu de reflexões enganosas, porque se firmam em todas as experiências que ainda vivo, produzindo mais aprendizados e mais transformações.

Do passado, dentre tantos acontecimentos há um mais impactante e inesperado que vivi antes de conhecer nosso mundo, me refiro ao meu nascimento, em que pela injustiça de um médico, me tornei paraplégica. Vieram as dificuldades de não entender o motivo de ter um físico limitado, diferente dos meus irmãos. Da ânsia em partir desse mundo, quando pensei em morte aos 14 anos. As dificuldades de relacionamento com meu pai, até hoje tão difíceis de pensar, aceitar e entender. Sem contar o meu próprio EU lutando comigo, em desorganizações aceleradas dia e noite lutando por um equilíbrio e compreensão.

Ao atravessar tantos anos e experiências, aos poucos minha luz de entendimento foi adquirindo vida e finalmente com suspiro profundo confesso que já aprendi a lidar com todo esse turbilhão que não deixei de ser, por isso não me vejo mais habitando um corpo com um erro, mesmo tendo marcas visíveis de atrofias, escoliose em meu físico… e também mesmo lidando diariamente com uma personalidade difícil e afiada como esta que escreve esse texto.

Sei que não sou algo que não deu certo nem tenho culpa por ser assim. Me expresso assim porque segundo algumas opiniões do passado: “ela poderia ter e viver uma vida diferente” se alguns infortúnios não tivessem acontecido comigo. Mas, dentro do tempo que chamo de hoje, afirmo que não há verdade nessa frase, o que aconteceu trouxe dor e revolta, afinal a convivência com minhas crises não são fáceis, porém sei que tudo isso se tornou uma faculdade necessária que cursarei para sempre, enquanto existir.

Nesse momento sei que sou esse alguém que está se despindo visceralmente, sem constrangimento ou pudor, mas aprende cada vez mais a gostar de ser quem é. Quem sou eu? Sou a pessoa que através desse texto está fazendo algo mais forte que um desabafo público, pois na verdade quero mesmo é fazer um pacto as pequenas alegrias, sem precisar de um corte unindo os nossos punhos e sangue, porque apesar de ter um Gênio Indomável, hoje tenho a certeza que já passei por muitas metamorfoses e ainda passarei por outras. Declaro então que nenhuma página que já foi virada no livro da minha vida e nas outras que serão lidas em minha essência nunca estiveram em vão em minha biografia.

Não poderia deixar cair no esquecimento que dentro da biografia muitas pessoas já passaram, algumas permanecem e novas têm surgido, todas elas são colunas fundamentais em minha estrutura. Traçaram um caminho ininterrupto até meu cerne de emoções criando demolições, reformas, construções e reconstruções da pessoa que tenho me tornado. São relacionamentos com profundidade, por isso sempre me enxerguei no reflexo de seus olhos, mesmo que o contato seja distante, o que vale é a reciprocidade e ligação espiritual que existe entre nós. Por ser uma pessoa seletiva nas escolhas de minhas amizades, minha porta raramente permanece aberta, mas esses anjos me conquistaram e se permitiram entrar em minha vida por uma ponte nascida pelo afeto, empatia e convivência curadora que flui deles. Eles são uma equipe de construtores equipados com o material necessário para iluminar e apontar o caminho de revoluções em meu intelecto, em minhas mãos por meio da Arte. Me fizeram encontrar no desenho, na pintura, na escrita e nos diversos artesanatos o potencial que estava camuflado diante dos meus olhos, ocultos ou abafados dentro de um celeiro de emoções misturadas e perdidas nessa pessoa tão elétrica que sou. A eles devo uma eterna gratidão e o amor que só nasceu porque eles me amaram primeiro.

Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo.Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens,além daquele que há em sua própria alma.Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave.Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo. Hermann Hesse

Entre tantos momentos analíticos que vivo, especialmente guardo com imenso carinho aquela experiência vivida em minha sala assistindo a um filme com uma vida cheia de toques de personalidade e histórias semelhantes a minha, e é por isso que me vi em um Déjà Vu sobre quem sou eu. Desde então estou ciente de que a Arte imita a vida maravilhosamente, reproduzindo nossos dias por um jogo de câmera um tanto bizarro, porque nos vemos frente a frente sem nenhuma ajuda extra, que só seria possível se estivéssemos diante do reflexo de um espelho. Sem a cópia refletida naquela lâmina de cristal metalizada muito bem polida não teríamos como enxergar nossas imagens e nem algumas escolhas materiais.

Por todas essas razões observadas e escritas neste espaço, creio que chegou a hora de despertar dessas reflexões. Tendo ainda o controle remoto em mãos, desligarei a TV e repousarei meu olhar na vida que não estaciona e está me aguardando do lado de fora dos meus pensamentos sempre. Tocarei minha cadeira ao encontro do novo que sempre existirá e prosseguirá o desafio de conviver e moldar genialmente esse ser transparente que sou.

Me preocupo em não deixar nenhum aprendizado passar sem que eu não o note, por isso aceito todas as oportunidades que surgem. Uma em especial ultimamente tem sido a mais eficaz de toda autoajuda que já obtive em meus anos de vida, pois escolhi explodir minhas energias em palavras e não em ações nervosas e percebo que entre a razão e a paz, escolho o sossego em viver observando todas as novas experiências de mutações passando por esse temperamento que é forte, mas que é capaz de ser pensante, inspirador e sensato ao caminhar sem retroceder jamais em meus caminhos.


"Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo." 
(aforismo grego que revela a importância do autoconhecimento)



Este artigo, de minha autoria, foi publicado originalmente no site Genialmente Louco.



29 comentários

  1. texto super interessante, a sua autoanalise foi brilhante
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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    1. olá, Thaila! fico feliz que tenha gostado! obrigada, viu?!

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  2. Apesar de bastante extenso, o texto é ótimo!
    Parabéns!

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  3. Achei o texto com a autoanalise bem legal.
    Bjus
    Jaque
    www.quebreiaregra.com.br

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  4. Olha só, você fez uma reflexão de si mesma tão bela e inteligente e ainda pro cima usar o filme como plano de fundo (pelo menos pra mim pareceu).
    Queria eu conseguir escrever assim...
    Beijinhos, Helana ♥
    In The Sky, Blog / Facebook In The Sky

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    1. sim, Helana, liguei minha história ao filme.
      muito obrigada pelo seu comentário!

      beijinhos!

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  5. Achei bem bacana a analogia que vc fez.
    Esse filme é incrível e sua auto analise veio de encontro a ele.

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  6. Traçar um paralelo entra o seu eu e um filme me pareceu super interessante ainda mais com um texto bem escrito mostrando a sua sensibilidade transparecer

    Beijos
    Rafael

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  7. oi
    Muito interessante :D eu adorei sua autoanalise.
    O Gênio Indomável é um filme excelente ;)
    bjo

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  8. Oi,
    Muito interessante o seu texto.
    O filme Gênio Indomável é um dos meus filmes favoritos.
    E com certeza o autoconhecimento é algo muito importante para a vida de uma pessoa.
    Abrçs

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    1. oi, Marcia! obrigada! sou muito suspeita em comentar sobre Gênio Indomável, rs... eu o amo!
      abraços!

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  9. Que texto lindo amei você me preendeu com esse texto lindo

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  10. Uau que viagem interessante! Por várias vezes me identifiquei com sua auto analise!

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  11. Olá, tudo bem?
    Que texto lindo e emocionante.
    Por várias vezes eu tentei fazer uma auto reflexão, mas poxa como é difícil.
    Que bom que vc percebeu que ainda tem o controle da sua vida e da sua história. Siga em frente. Seja feliz. Seja você mesma.
    Beijos

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    1. olá, Faby! tudo joinha! como disse no texto, continuo tentando, sem desistir de ser esta pessoa que nasci.
      muito obrigada por suas palavras! beijos!!!

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  12. Gostei muito do seu texto e acho o trabalho da auto-avaliação essencial! Muito mais difícil encontrarmos e reconhecermos as nossas falhas do que as dos outros, não é mesmo? Se posso te dar uma dica na configuração do seu post, tente colocar imagens e sub-títulos para a leitura não ficar (ou não parecer) tão longa. ;)

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    1. olá, Madame, Brasil! obrigada pela dica. passarei a observar melhor em futuros posts! ;)
      obrigada!

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  13. Ótima análise, linda e inteligente! Amei, de verdade..

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  14. Adorei a postagem! Um texto instigante e muito bem escrito. Abraços!

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  15. Oi, tudo bem? Que reflexão mais incrível. Gostei muito da forma como você escreveu. As vezes passamos a vida inteira sem nos conhecer, sem saber quem somos de verdade, nos preocupando sempre com o mundo externo. No entanto é importante que saibamos parar por um momento e olhar para dentro de nós mesmos e saber quem somos. E assim sabendo, poderemos nos amar ainda mais. Beijos, Érika =^.^=

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    1. oi, Érika! tudo ótimo e espero que contigo também! poxa, muito obrigada pelo carinho que há em suas palavras! ^^)

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  16. Uau... Que texto maravilhoso. Uma extraordinário reflexão. Isto sim é um texto daqueles que nos prendem e nos acrescentam valor. Amei... Parabéns pela sua fantástica escrita.
    BeijinhoBom
    Paula Cardoso
    magianaspalavrasbypaula.blogspot.pt

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